Ano: 2024

codigo-civil

Sobre a reforma e atualização do Código Civil

Um Código Civil expressa uma visão de mundo e veicula diversas dimensões complementares da filosofia, da sociologia e do direito. É fruto do meio social, fotografando legados, tecendo soluções para o presente e refletindo seus ideais como inspiração ao trabalho hermenêutico do porvir.

Assim se deu entre nós em 2002. Pessoas, famílias, obrigações e contratos, bens, atos e negócios, propriedades e sucessões nortearam as preocupações jurídico-normativas que desaguaram na Lei 10.406.

Quer saber os principais fatos ligados ao serviço público? Clique aqui e se inscreva gratuitamente para receber a newsletter Por Dentro da Máquina

Cumpre estarmos atentos à sociedade mais complexa, à legislação comparada inovadora e à contribuição mais recente da jurisprudência e da doutrina.

O Brasil tem a oportunidade de fazer esse notável encontro entre Código e Constituição; diversamente da experiência anterior, em 1969 (ano da criação da Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil) e em 1975 (ano da remessa da Mensagem 160 ao Congresso Nacional), agora toma corpo a reforma e a atualização diante desse novo desenho do espaço público e privado: apresentar o Código Civil da democracia, da liberdade, da dignidade, da solidariedade e da responsabilidade.

Temos um exemplo a mirar. Andou bem o recente Código Civil da Argentina, de 2015, antenado com o nosso tempo e preparado com refinamento teórico. Bem se houve ali a tarefa, com as luzes da principiologia axiológica, da jurisprudência e da doutrina, nomeadamente a dignidade dos seres viventes, numa formulação de princípios que vinculam as relações sociais fotografadas pelo Direito.

Tal sentido de temperança enlaça liberdade e responsabilidade, entre o querer uma resposta e o construir um futuro possível que almeja condições satisfativas de estabilidade, coerência e previsibilidade, a rigor, de segurança jurídica e de equilíbrio e ponderação.

Nada obstante, tensões emergem. Os fatos da realidade se impõem. Transformações na sociedade, nas instituições e no Estado, a revolução tecnológica e a imperatividade dos tratados e convenções internacionais, a prevalência dos direitos humanos e fundamentais, a evolução da doutrina, da legislação e da jurisprudência, são indicações de mudanças que se projetam em diversos campos do Direito Civil.

As garantias das liberdades fundamentais e da autonomia redesenham a proteção jurídica da pessoa e da personalidade, ampliando o arco de possibilidades para a prática de atos de cunho existencial ou patrimonial. Os direitos civis subjetivos são elevados ao estatuto de direitos fundamentais. Os deveres jurídicos, a seu turno, tecem outros horizontes da responsabilidade, dentro de desafios para as liberdades.

A demanda já não é por Códigos ideais. A lei civil é hoje invocada não apenas como uma herança estrutural abstrata, e sim como paradigma funcional do sentido para o sujeito, o corpo, a terra, o meio ambiente, a economia, o serviço, enfim, para os horizontes de vida, mesmo volátil, incerto, complexo e ambíguo. Precisamente nessa linha são as lições do Ministro e Professor Ricardo Luis Lorenzetti sobre o paradigma ambiental; a Natureza está perdendo sua capacidade e resiliência, e um Código Civil não pode alienar-se dessa natureza e dessa esperança.

Um Código está dentro da história, é um texto num contexto, forte na potência simbólica que se traduz ao que é contemporâneo.

Se os códigos normativos de uma sociedade sofrem evaporação, os desígnios de justiça, liberdade e solidariedade também se exaurem. A demanda por direitos reclama hoje uma invocação de limites e adequada navegação pelas águas das possibilidades.

Daí a relevância de uma norma permeada pela força constitutiva dos fatos sociais, a exemplo das regras que acolhem as diretivas antecipadas de vontade e a tomada em conta de que os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e passíveis de proteção jurídica. Por igual, o sentido da responsabilidade se realça na multifuncionalidade, alargando as disposições para a prevenção do dano e sua reparação, desiderato que se robustece nas três funções: preventiva, punitiva e reparatória de danos, não excludentes entre si.

Qualquer forma de liberdade que recuse responsabilidade não é propriamente liberdade. É apenas uma sombra dela. Esse liame entre as liberdades e as responsabilidades reclama especial atenção, nomeadamente numa recodificação civil, fazendo emergir o sentido ético da responsabilidade.

Também por essa via se reconhece o inegável valor da funcionalização dos institutos jurídicos, ordenados pela supremacia da proteção ao meio ambiente, da saúde, da livre concorrência e dos sujeitos vulneráveis. Não por outra razão, emergem plurais formas de famílias, o respeito à diversidade, as sucessões sem anacronismos, as titularidades protegidas e funcionalizadas, e os contratos com obediência às funções sociais e ecológicas, as obrigações e as empresas voltadas ao desenvolvimento socioambiental.

Impende respeitar a autodeterminação informativa, atenta à segurança no ambiente digital, ao desenvolvimento econômico e tecnológico, à inovação, à livre iniciativa, e sobranceiramente ao exercício da cidadania. Com acerto, acentuam-se aí as preocupações com a inclusão e a acessibilidade digital, a ética e a proteção integral da criança e dos adolescentes.

Desafios esses que não são ínfimos, como por exemplo aqueles derivados da neuro tecnologia diante da integridade mental e da identidade pessoal. Por isso, escorreita a análise sobre o controle de riscos. Há riscos sistêmicos, riscos em rede, riscos cumulativos, riscos catastróficos e riscos reputacionais, além dos riscos tecnológicos.

Uma sociedade de riscos produz riscos globais, intangíveis, intergeracionais, irreversíveis. O diálogo entre direito e ciência se torna ainda mais oportuno.

Mais ainda: se alçam com inegável relevo o direito à memória e à verdade desafiando o direito ao esquecimento, a circulação de conteúdos ilícitos por meio das plataformas digitais, o “transumanismo”, o acesso a dados cerebrais, a proteção no ambiente digital, a inteligência artificial, entre outros temas-ponte.

Logo, um dissenso normativo codificado é, simultaneamente, prática e interpretação, vale dizer, veicula a arquitetura jurídica extraída dos fatos sociais por meio da densificação em princípios e regras, ao mesmo tempo em que a cognição não elide um norte de transcendência do texto positivado.

Seria uma ilusão beirando o complexo de Midas almejar totalidade e completude na reforma e na atualização. Há ainda momentos de “chiaroscuro” em diversas áreas contemporâneas do conhecimento e da práxis. Sem embargo, a premissa há de ser inequívoca: servir à sociedade aberta, justa, livre e solidária, e ao Estado de Direito democrático.

O direito não é metafísica, artificial ou criado. É produto histórico-cultural, uma síntese de múltiplas determinações. O nosso país precisa chegar ao século XXI, inclusive no que concerne às empresas e às relações societárias, ao planejamento sucessório, à responsabilidade civil, e à liberdade de constituição dos vínculos afetivos.

A superação do modelo formal de contrato, a ética como elemento de juridicidade das normas comportamentais no direito das obrigações, a tessitura entre Direito Civil e Direitos Fundamentais são espelhos de searas destinatárias da atenção e do zelo nesse caminhar, a demandar atenção aos imperativos de tutela, a proibição de insuficiência e a vedação de retrocesso. Muito de reforma e mais ainda de atualização terá no Brasil o trabalho que se dedicar a incorporar a construção hermenêutica da interpretação constitucional, protagonizada pelo Supremo Tribunal Federal e, no âmbito de suas competências, pelo Superior Tribunal de Justiça.

Nas relações de família, por igual cumpre mencionar o Tema 1182 da Repercussão Geral sobre a maternidade e o pai genitor monoparental. Eis aí a situação que pode espelhar bem o caminho da proteção integral da criança, a qual merece, como defende Paulo Lobo (no estudo “Direito de família e os princípios constitucionais”, In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha org. Tratado de Direito das Famílias), “ter seus interesses tratados com prioridade pelo Estado, pela sociedade e pela família”.

Todas as pessoas possuem a mesma dignidade, o mesmo valor moral, como estatui o caput do artigo 5° da Constituição da República. Essa proclamação normativa vinculante se projeta na melhor interpretação dos direitos de personalidade, a exemplo do que fez o Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5543.

Um Código que dê conta disso e preste contas à história pode ser a expressão normativa da vida ativa, da essência da pessoa, com empatia, solidariedade e fraternidade.

É na solidariedade e na responsabilidade que se refaz a tessitura do laço social e se abrem as possibilidades para a normatização da vida civil, seus direitos e deveres.

Cumpre reconhecer que não há um modelo ideal de codificação. A tarefa demanda um ofício sabedor de sua própria insuficiência: o Código não detém a última palavra sobre tudo. Essa incompletude deve ser assumida perante o corpo social até mesmo para garantir respeito às instituições.

Não se trata, porém, de ocaso permanente, e sim de eclipses que tão somente realçam o papel hermenêutico da doutrina e da própria jurisprudência, como tem feito de modo exemplar no Brasil o Superior Tribunal de Justiça.

Impende estar atento ao enfraquecimento cultural das leis. Há, em nosso tempo, uma crise simbólica da função da autoridade do Direito, em boa medida porque a Justiça para a polis é substituída pela injustiça ad personam. A crise é da mediação discursiva operada pelo Direito Civil nas titularidades, nas famílias e nos negócios do trânsito jurídico. A invocação cada vez maior da intervenção judicial é o atestado dessa incapacitação.

Convocam-nos afazeres contínuos e custosos: o exercício constante contra o vento forte que sopra para diluir as instituições, a própria cultura e a sociedade como espaço de hospitalidade. O tempo presente convoca um Código como resposta e como presença, a fim de contribuir com o pacto social, a ordem democrática das regras e a vida em comum.

“Alguma coisa sempre volta do mar”, relembrou Massimo Recalcati retratando o Telêmaco da Odisseia. A codificação reformada e atualizada pode se tornar um marco da redemocratização. Essa pode ser uma odisseia testemunhal de seu tempo, sem almejar um modelo de perfeição nem um ideal normativo. É o mar da vida que faz retornar a oportunidade de reconstrução.

O caminho da ascese é o do princípio da realidade, de uma codificação que veicule, como experiência, o sentido fundador do pertencimento ao Brasil como sociedade livre, justa e solidária, lamentavelmente ainda injusta, desigual e discriminatória.

Basta tão somente que se dê o devido peso à palavra codificada, assumindo-se num mundo em incessantes mudanças como promessa de diagnóstico do presente e de edificação do futuro, sem se evadir da responsabilidade simbólica de unir tradição e movimento. Sem respeito à tradição, uma codificação atinge a condição líquida de Bauman, obrigada a inventar uma liberdade de massa, um mundo sem leis. E sem atenção ao movimento, ela será um museu de praxes, um precipitado insolúvel (na expressão de San Tiago Dantas).

O olhar para o porvir almeja justiça, a ordem justa para as pessoas, as famílias e o patrimônio. Ao assim fazê-lo, o Código Civil se tornará, de um modo bastante diferente, aquilo que sempre foi e assim, atravessado pelo tempo constituinte da vida plena, da liberdade e da responsabilidade, reconquistará, na democracia, aquilo que já era desde sempre: não um destino e sim uma travessia.

planos-de-saude

Planos de Saúde Coletivos no país: Procon-SP e Idec defendem regras mais adequadas de proteção ao consumidor

Em seminário realizado ontem (24) na sede do Procon-SP e transmitido no canal do Youtube da Secretaria da Justiça e Cidadania de São Paulo, representantes de órgãos entidades de defesa do consumidor discutiram a urgência de uma regulação mais protetiva aos consumidores de planos coletivos.

A realização do evento, que contou com abertura do Diretor Executivo do Procon-SP – Luiz Orsatti Filho e da Diretora Executiva do Idec – Carlota Aquino Costa, integra uma agenda conjunta com objetivo de melhor regulação dos planos coletivos por parte da Agência Nacional de Saúde, em que pese os princípios e direitos garantidos no Código de Defesa do Consumidor.

Os problemas das pessoas consumidoras de planos coletivos

A primeira mesa de discussão do seminário, mediada por Marina Magalhães do Idec, foi aberta pelo representante do Núcleo Especializado de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública de São Paulo, Defensor Luiz Fernando Baby Miranda, que tratou da questão da vulnerabilidade e fragilidade do consumidor destes contratos. Explicou ainda sobre as demandas e dúvidas que chegam à Defensoria como a negativa de cobertura – que precisam de judicialização por conta da urgência na solução; além de casos relacionados ao descredenciamento de profissionais.

O Promotor de Justiça Denilson de Souza Freitas destacou que os contratos de planos de saúde são de natureza essencial, sendo um dever do Estado proteger esses consumidores, e que grande parte do público desses contratos refere à pessoas em situação de hipervulnerabilidade, como a criança, a pessoa idosa e a pessoa com deficiência. Deste modo, é importante que esta nova regulação considere esse ponto.

Igor Lodi Marchetti, do Idec, explicou que as queixas sobre planos de saúde figuram sempre entre os principais problemas que chegam ao Idec, casos como reembolso, reajuste, falta de cobertura. Essas reclamações revelam a falta de clareza nos contratos de planos coletivos.

Participando de forma remota, Marcus Braz, Diretor-Adjunto de Fiscalização da Agência Nacional de Saúde destacou dados de reclamações que chegam à Agência Nacional de Saúde Suplementar, sendo grande parte referente à planos coletivos.

Renata Molina, Especialista do Procon-SP, traçou um panorama de como a mudança do mercado no Brasil proporcionou o crescimento dos contratos de planos coletivos e empresariais ao longo do tempo e abordou os impactos desse aumento. Hoje os planos coletivos e empresariais são a maioria dos contratos e a oferta das empresas é praticamente só para esta modalidade, por isso é necessário olhar para isso e adaptar a legislação a essa nova realidade.

Conflitos em planos coletivos: custo social ao cidadão e ao Estado

A segunda mesa de discussão “Conflitos em planos coletivos: custo social ao cidadão e ao Estado” foi mediada pelo Diretor de Assuntos Jurídicos do Procon-SP – Robson Campos, que ressaltou as diversas dificuldades e os custos emocionais para o consumidor reclamar administrativamente ou judicialmente diante de problemas enfrentados nestes serviços.

A representante do Idec, Marina Magalhães apresentou uma pesquisa feita pela instituição sobre os reajustes médios dos planos de saúde e como afetam os consumidores. Além de trazer dados sobre os reajustes coletivos, que são superiores em relação aos aplicados nos planos individuais, ressaltou a falta de transparência das operadoras para explicar e justificar esses aumentos.

Camilla Varella, da Comissão da Pessoa Com Deficiência OABSP, frisou em sua fala a assimetria existente nesta modalidade de planos – de um lado os consumidores e empresas que contratam os planos e, de outro, as grandes operadoras. Destacou também o problema do cancelamento dos planos ou a impossibilidade de contratação por parte das pessoas com síndromes raras ou com transtorno do espectro autista, por exemplo.

Maria Feitosa Lacerda, Especialista do Procon-SP, fez uma contextualização do cenário dos planos de saúde desde antes da Lei 9.656/98, que regulou os planos individuais, que até então não tinham regras específicas estabelecidas para assegurar os direitos dos consumidores. Defendeu que, do mesmo modo, hoje os planos coletivos precisam dessa regulação e que o papel das instituições é o de fazer essa exigência; buscando regras justas e razoáveis e que garantam a proteção do consumidor e regulação do mercado.

Procon-SP e Idec agradecem a participação e empenho do Núcleo Especializado de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública de São Paulo, do Ministério Público de São Paulo, da Agência Nacional de Saúde Suplementar e da Comissão da Pessoa Com Deficiência OAB-SP na efetivação dessa agenda necessária e urgente para toda a sociedade.

Durante o evento os participantes foram convidados a assinar uma carta de adesão para a agenda de regulação dos planos de saúde – Veja aqui.

https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSdZ_91Yfz9qd6DgWWN7DwxZUET9GsFW6Qme3h_ZAnPlVab9HQ/viewform

Assessoria de Imprensa | Procon-SP

dois-maio-assedio

Em três anos, Justiça do Trabalho julgou mais de 400 mil casos de assédio moral e sexual

De 2020 a 2023, a Justiça do Trabalho, em todas as suas instâncias, julgou 419.342 ações envolvendo assédio moral e assédio sexual. O volume de processos julgados sobre assédio sexual cresceu 44,8% no período, e os de assédio moral aumentaram 5%.

As novas ações recebidas pelo Judiciário Trabalhista nos últimos três anos a respeito desses temas somaram 361.572 (338.814 sobre assédio moral e 22.758 sobre assédio sexual). Enquanto o volume de casos novos sobre assédio moral se manteve estável, o de assédio sexual cresceu 14,3%.

O que é assédio

No mundo do trabalho, o termo “assédio” refere-se a comportamentos e práticas inaceitáveis que causem (ou possam causar) dano físico, psicológico, sexual ou financeiro a alguém. Essas condutas criam um ambiente hostil e podem afetar a vida profissional e pessoal de quem sofre o assédio.

Perfil de quem procura a Justiça

Segundo o Monitor do Trabalho Decente, 72,1% das ações sobre  assédio sexual julgadas desde 2020 foram ajuizadas por mulheres. A faixa etária predominante era de 18 a 29 anos (42,5%) e de 30 a 39 anos (32,6%).

Números refletem maior conscientização

O crescimento, contudo, não significa necessariamente que estejam ocorrendo mais situações de assédio em ambientes profissionais, mas podem revelar uma maior conscientização das pessoas sobre o tema e uma sensação maior de segurança para reivindicar direitos.

“Condutas que configurem assédio moral e sexual não podem passar despercebidas e não podem ser toleradas, em qualquer tipo de ambiente de trabalho”, alerta o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Lelio Bentes Corrêa. “Essas práticas afetam todo o ambiente profissional, impactam a produtividade e, principalmente, prejudicam a saúde das pessoas. É nocivo para todos”.

Ação judicial diferencia assédio de situações normais

De acordo com a ministra do TST Kátia Arruda, coordenadora do Programa de  Equidade, Raça, Gênero e Diversidade da Justiça do Trabalho, a função do Judiciário Trabalhista é pacificar conflitos trabalhistas e contribuir para a efetivação dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, fundamentos constitucionais do Estado brasileiro. Nesses casos, ela explica que a atuação judicial tem o papel fundamental de delimitar o que é efetivamente assédio e o que são prerrogativas naturais na relação de trabalho, como a cobrança de metas. “A atuação do Judiciário trabalhista permite não apenas reparar às vítimas de condutas assediadoras ou discriminatórias, mas proporciona a conscientização empresarial de quais são os limites, trazendo benefícios a toda sociedade”.

Para a ministra, um dos maiores desafios nessas ações é a prova. “Em muitos casos, o assédio é velado e compromete a comprovação dos fatos em juízo”, observa. “O TST, por não ter a prerrogativa de reexaminar fatos e provas, depende da conclusão a que chegou o TRT sobre o tema e, muitas vezes, juízes e desembargadores não tiveram subsídios suficientes para chegar a uma conclusão robusta sobre a existência de assédio”.

Evolução da pauta reflete mudanças na sociedade

Segundo Kátia Arruda, a evolução da pauta na Justiça do Trabalho reflete a evolução observada na sociedade. “Um ponto importante é que o Judiciário passou a entender que discriminações estruturais, como o racismo, embora sejam corriqueiras no cotidiano social, são sim discriminatórias e causam prejuízos severos aos trabalhadores e à sociedade”, ressalta. “Assim, condutas como o racismo recreativo passaram a ser reconhecidas como  assédio, e não como ‘brincadeira’”.

Outro aspecto destacado é que juízes e tribunais estão ficando mais atentos em relação à condução do processo, para não revitimizar uma pessoa que já passou por uma situação assediadora. “Um exemplo é a prática de não colocar uma vítima de assédio sexual para depor na frente do alegado agressor”, assinala.

De acordo com a ministra, técnicas processuais relacionadas ao ônus de comprovar os fatos alegados podem ser usadas em cada caso, a depender da situação concreta, facilitando a comprovação de condutas de assédio.

Justiça do Trabalho terá protocolo próprio para julgamentos

Nesse sentido, também está em elaboração um protocolo de atuação judicial com perspectiva antidiscriminatória focada em gênero, raça e diversidade. A intenção é orientar a magistratura trabalhista sobre condutas que devem ser observadas para promover julgamentos que levem em conta processos históricos e estruturais de desigualdade, o que contempla, também, casos de assédio no trabalho.

Para todo o Poder Judiciário brasileiro, já vigora, desde 2021, o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O documento aborda as desigualdades de gênero e como elas se expressam, inclusive nas estruturas do Poder Judiciário. A adoção das diretrizes contribui para uma atuação da magistratura sem vieses e preconceitos.

Cartilha atualiza definições e orientações

O Tribunal Superior do Trabalho e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) lançarão, ainda este mês, uma nova cartilha com orientações sobre o assunto. O material explicará o que configura assédio, discriminação e violência e indicará como identificar essas situações e agir para se proteger delas.

Também trará informações a gestoras e gestores e às organizações sobre o que pode ser feito para combater esse tipo de prática. “Informação é fundamental, tanto para evitar a prática agressiva quanto para orientar quem é vítima sobre o que pode ser feito”, ressalta o presidente do TST.

A Justiça do Trabalho desenvolve, ainda, a Política Judiciária Nacional de Trabalho Decente, da qual fazem parte o Programa Trabalho Seguro e o Programa de  Equidade, Raça, Gênero e Diversidade. Essas frentes desenvolvem ações institucionais voltadas à conscientização e à mobilização social para promoção de ambientes profissionais mais saudáveis.

Para a ministra Kátia Arruda, a implementação de uma cultura de respeito nos locais de trabalho melhora o ambiente, proporciona mais qualidade de vida e reduz adoecimentos psicológicos e afastamentos previdenciários. Por consequência, reduz o custo para a sociedade – que arca com impostos para o custeio do sistema de seguridade social – e para o empresário, que não precisa investir de forma tão reiterada na substituição de mão de obra e reduz o passivo trabalhista.

Seminário discutirá estratégias para evitar assédio

O TST promoverá, no dia 8 de maio, o seminário “Cultura Organizacional Livre de Assédio: Interfaces entre Trabalho, Indivíduo e Saúde Mental”. O objetivo é estabelecer estratégias institucionais e ações educacionais voltadas para a prevenção e o enfrentamento do assédio, da violência e da discriminação.

O seminário é aberto ao público, e a participação pode ser presencial ou remota. A programação completa e as inscrições estão disponíveis no site oficial do seminário “Cultura Organizacional Livre de Assédio”. A transmissão será feita pelo canal oficial do TST no YouTube.

A iniciativa está alinhada com a Política de Prevenção e Enfrentamento da Violência, do Assédio e de Todas as Formas de Discriminação no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho,  instituída em 2023.

(Nathalia Valente/NP/CF)